23 janeiro 2012

Artroscopia

Uma técnica semiológica e cirúrgica.

A história das sucessivas tentativas, de olhar através de um tubo iluminado, para dentro de uma cavidade natural, reporta-nos a Viena, a 1806 e a Phillip Bozzini. A esta atitude, que desde essa altura se tem vindo a desenvolver para atingir o interior das várias cavidades naturais e melhor as poder estudar, chamou-se em 1853, e possivelmente com Desormeaux, endoscopia.
Com a extensão inevitável da endoscopia às cavidades articulares, surgiu nova metodologia e bem assim designação mais especifica. Crê-se pois, que o termo artroscopia, terá surgido com o Prof. K. Takagi em 1918 e com o seu artroscópio, ou seja o instrumento que permite a visão do interior de uma articulação. No entanto e desde essa altura, em que surgiu o termo artroscopia e os dias de hoje, em que o mesmo, apenas na sua essência tem idêntico significado, tem decorrido longa história.
Efectivamente e desde K. Takagi, que como se disse, teve a ideia de introduzir um cistoscópio modificado, no interior do joelho, para fazer a sua visualização, tem-se assistido a avanços, que têm sido sempre muito significativos. Dentre eles e voltando de novo a K. Takagi, é importante registar o desenvolvimento do seu primeiro artroscópio de 3,5 mm, que permitiu razoável utilização prática, já que os anteriores demasiado grossos, poucos resultantes lhe forneceram. Estava-se em 1931 e nesse ano, com Takagi também, surgiu a ideia e base fundamental para a técnica, de distender com uma solução salina a cavidade articular, permitindo-lhe observação não só mais fácil, mas também mais fiel. No entanto, já em 1925, H.P. Kreuscher, tinha publicado um artigo em que descrevia o seu artroscópio, seu desenvolvimento e sua utilização. É curioso, que já nessa ocasião, ele considerava a artroscopia do joelho, como a técnica especialmente indicada para a detecção precoce das lesões do menisco.
Em 1934, M.S. Burman, médico em Nova Iorque, publicou um artigo em que se descrevia pela primeira vez e claramente definida, a técnica da artroscopia. A descrição sistemática da inspecção do joelho era apresentada com muita clareza, bem como, as principais complicações possíveis, resultantes da técnica.
Burman propunha ainda, a utilização da solução de Ringer para fazer a distensão articular, solução que apesar de ultrapassada, ainda hoje é usada por alguns cirurgiões. Como indicações de utilização prática, realçava o uso da artroscopia, nas artrites do joelho e avaliação de lesões meniscais.
Depois de 1950 e tal como no inicio, o maior ímpeto e desenvolvimento, surgiu no Japão e precisamente com um seguidor de Tagaki, o Prof. M. Watanabe.
A publicação do seu primeiro atlas de artroscopia, foi um marco importante, bem assim como o aparecimento do seu artroscópio nº 21, em 1960, instrumento que pelas suas características se espalhou pelo mundo e veio a motivar inúmeros cirurgiões, a tal ponto que em 1973, surgiu o primeiro curso de instrução artroscópica. Este teve lugar na Universidade de Pensilvânia e o seu sucesso foi tão significativo, que logo no ano seguinte se realizou o segundo.
Na sessão de encerramento desse segundo curso, formou-se a Associação Internacional de Artroscopia, tendo ficado na sua presidência o Prof. M. Watanabe.
A partir desse momento não só com a A.I.A., mas também com a Academia Americana de Ortopedistas, iniciou-se uma série infindável de cursos teórico-práticos que atraíram candidatos não só dos EUA mas também de toda a Europa.
Assim chegou-se a 1978 e com O’Connor surgiram os primeiros cursos de cirúrgica artroscópica, que pela sua inovação renovaram o entusiasmo geral, já que apesar de vir a ser praticada há algum tempo, nomeadamente por Robert Metcalf, Lanny Johnson e J. Dandy, era desconhecida na sua quase totalidade, bem como o seu próprio armamentário ( instrumental cirúrgico miniaturizado ).
Com estes cursos, estava definitivamente implantada a artroscopia, como técnica de diagnóstico e cirúrgica, fundamentalmente.
Desde então e com Robert Metcalf, L. Johnson, James Guhl, Dinesh Patel, Kenneth Dehaven, Robert Stone, Jan Gillquist, F. Santos Silva e outros, a cirurgia artroscópica tem-se desenvolvido tão consistentemente, quer nas suas utilizações cirúrgicas, quer no aperfeiçoamento do seu instrumental, que cremos ser razoável afirmar, não ser possível a qualquer clínica ortopédica, deixar de a incluir na sua rotina diária de trabalho.

Fundamentalmente e apesar de pequenas variações existentes de marca para marca, o artroscópio é um simples cilindro, com uma lente de ampliação em cada extremidade. A lente colocada na extremidade articular é a objectiva e a da extremidade contrária, é a ocular. Estas duas lentes, entre si, são separadas uma da outra, por séries de lentes, que estão preparadas de forma a transmitir a imagem vinda da articulação para o olho.
Todo este sistema de lentes por sua vez e que ocupa a totalidade da extensão do artroscópio, é rodeado por finas fibras ópticas, meio de transmissão da luz, proveniente da uma fonte luminosa e fundamentalmente para a visualização do interior da articulação.
A sua ocular, está estruturada e preparada para permitir a adaptação, a sistemas de registo de imagem. Os mais utilizados, são o vídeo e a fotografia. Aquele apresenta hoje pequeníssimas câmaras digitais, que fazem prever em futuro próximo a solidarização definitiva dos dois instrumentos.
Os artroscópios, mais frequentemente utilizados, têm diâmetros de 4mm ou 5 mm, comprimento de 140 mm e ângulos de inclinação das suas objectivas de 25 a 30 graus.
A sua designação, faz-se pela indicação do seu diâmetro e ângulo de inclinação da sua objectiva. ( v.g. 5 mm - 30º ).
 
Como já se deixou implícito no exposto anteriormente, o interesse da artroscopia, está na possibilidade de observação do interior de uma articulação.
Assim e para o conseguirmos, temos necessidade de sujeitar em primeiro lugar, a cavidade articular a uma distensão máxima, com uma solução salina, de modo a que os vários espaços virtuais se transformem em reais e estes por sua vez se dissociem daqueles. Com a cavidade articular assim preparada, é necessário promover à iluminação do seu interior, par que, qual gruta subaquática, possamos visualizar as suas paredes.
Para esta atitude o artroscópio é fundamental, pois que é através dele que fazemos não só a introdução de toda a luz necessária à iluminação, mas também é através do seu sistema de lentes, que conseguimos fazer a recolha das imagens do interior articular.
Potencialmente, toda a articulação com sinovial é passível de abordagem artroscópica, mas na verdade e na prática, apenas o ombro, o cotovelo, o joelho e a tibio-társica, são as articulações mais visitadas. Mesmo destas, o joelho, pela sua grandeza e morfologia, é a mais privilegiada, levando por isso a associar de imediato a artroscopia, ao joelho, o que não é de todo verdade.

As indicações para a prática da cirurgia artroscópica, estão hoje bem estabelecidas e são por isso bem conhecidas de todo o cirurgião ortopédico com adequada prática da técnica. De qualquer modo é importante salientar que a artroscopia, apesar de fornecer importante contributo para o diagnóstico, não dispensa nunca a mais aturada avaliação clínica.
No seu âmbito, em ambiente de “ Cirurgia de Dia “, estão incluídas a maior parte das articulações com sinovial já referidas, no entanto como a mais experimentada e vulgarizada é o joelho, é preferível nesta apresentação, apenas dela se tratar.
Assim e no joelho, podemos usufruir da artroscopia sob dois aspectos. O diagnóstico e o terapêutico, ou melhor dizendo, o cirúrgico.
Quanto ao diagnóstico, a sua utilização apresenta-se-nos quase que como obrigatória nas situações de rotura de menisco, de rotura do cruzado anterior e do cruzado posterior, de fractura condral e osteocondral, de corpos livres intra-articulares, de osteocondrite dissecante, de doença da cartilagem ( condromalácea ), de quisto do menisco, de osteocondromatose, de artrite reumatóide, de sinovite vilonodular pigmentada, de hemangioma e na generalidade das situações indefinidas, que englobam o chamado joelho doloroso crónico, completando definitivamente toda a informação clinica e imagiológica. Com a artroscopia há a possibilidade de fazer, em tempo mínimo, o estabelecimento de um diagnóstico preciso e final.
No aspecto terapêutico, possivelmente o mais aliciante para o cirurgião pelos resultados que proporciona, a cirurgia artroscópica, auxiliada por desenvolvido instrumental cirúrgico miniaturizado, permite realizar de modo que podemos dizer exemplar, procedimentos com a meniscectomia total ou parcial, a sutura meniscal, a reconstituição do ligamento cruzado anterior, a reconstituição do ligamento cruzado posterior, a sinovectomia total ou parcial,  o tratamento da osteocondrite dissecante, o tratamento da fractura articular do planalto tibial, a exérese de corpos livres intra-articulares, a libertação do retináculo externo da rótula, a condroplastia da cartilagem doente, o transplante autólogo de cartilagem, a lavagem intra-articular com montagem de circuitos de drenagem, etc.
Importa reforçar que a artroscopia na sua generalidade, pela rapidez de diagnóstico, praticamente sem riscos para o doente, tem um valor inegável, ultrapassando em tudo o que até ao momento temos à disposição. Por outro lado, com as práticas cirúrgicas que possibilita, permite-nos resolver problemas de um dia para o outro, com muito menor agressão para o doente, quer de ordem geral (quase todas as operações no joelho são efectuadas com anestesia local ), quer de ordem local ( incisões de pouco mais de 4 milímetros  ) e colocando-o com um restitutio ad integrum em tempo bastante reduzido.





©1997 Diartro

22 janeiro 2012

Ciência & Curiosidades



Pensar gasta calorias

 Muito pouco, mas gasta. Para se manterem em atividade, as células nervosas do nosso cérebro (os famosos neurônios) se abastecem da energia que retiram do oxigênio e da glicose presentes no sangue - assim, acabam consumindo uma quantidade mínima de nossas reservas calóricas. "Para ter uma idéia, os neurônios gastam, em média, de 7 a 10 miligramas de glicose por minuto para cada 100 gramas de massa cerebral", afirma o neurologista Jackson Bittencourt, da Universidade de São Paulo (USP). Isso corresponde a um valor entre 0,028 e 0,040 quilocalorias por minuto - ou uma média de 16 quilocalorias (o equivalente a uma mísera bala) a cada oito horas. Assim, para poder emagrecer 100 gramas só pensando, seriam necessários cerca de 15 dias de intensa atividade cerebral. Na verdade, nossa mente gasta calorias 24 horas por dia sem parar, pois o cérebro está sempre funcionando, mesmo quando sonha. E nem é preciso quebrar muito a cabeça.

Clicar aqui
http://www.youtube.com/watch?v=P5PdO4zzhsA&feature=uploademail

Mundo Estranho

20 janeiro 2012

José Régio - Soneto quase inédito






Soneto quase inédito

Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao povoado;
Assentam -os fantoches em São Bento
 o Decreto da fome é publicado

Edita -se a novela do Orçamento
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do parlamento
Usufruem seis contos de ordenado

E enquanto á fome o povo se estiola,
Certo Santo pupilo de Loyola
 Mistura de judeu e de vilão,
Também faz o pequeno" sacrificio"
De trinta contos-Só- por seu ofício
Receber,a bem dele-e da nação

José Régio soneto escrito em 1969, no dia
no dia de uma reunião de antigos alunos.

10 janeiro 2012

Fernando Pessoa (Lisboa, 13 de junho de 1888 Lisboa, 30 de novembro de 1935)



Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios,incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...


(Fernando Pessoa)

05 janeiro 2012

A cor do horto gráfico
já aprovado pelo novo Ministro do saber


Última atualização do dicionário de língua portuguesa

Novas entradas:
Testículo: Texto pequeno
Abismado: Sujeito que caiu de um abismoPressupor: Colocar preço em alguma coisaBiscoito: Fazer sexo duas vezesCoitado: Pessoa vítima de coitoPadrão: Padre muito altoEstouro: Boi que sofreu operação de mudança de sexoDemocracia: Sistema de governo do infernoBarracão: Proíbe a entrada de caninosHomossexual: Sabão em pó para lavar as partes íntimasMinistério: Aparelho de som de dimensões muito reduzidas

Detergente: Acto de prender seres humanosEficiência: Estudo das propriedades da letra FConversão: Conversa prolongadaHalogéneo: Forma de cumprimentar pessoas muito inteligentesExpedidor: Mendigo que mudou de classe social
Luz solar: Sapato que emite luz por baixo
Cleptomaníaco: Mania por Eric ClaptonTripulante: Especialista em salto triploContribuir: Ir para algum lugar com vários índiosAspirado: Carta de baralho completamente malucaAssaltante: Um 'A' que saltaDetermine: Prender a namorada do Mickey Mouse
Vidente: Aquilo que o dentista diz ao paciente
Barbicha: Bar frequentado por gays
Ortográfico: Horta feita com letras
Destilado: do lado contrário a esse
Pornográfico: O mesmo que colocar no desenho
Coordenada: Que não tem cor
Presidiário: Aquele que é preso diariamente
Ratificar: Tornar-se um rato
Violentamente: Viu com lentidão


E

Língua "perteguesa"... PORQUE O SABER NÃO OCUPA LUGAR!

Prontus
Usar o mais possível. É só dar vontade e podemos sempre soltar um 'prontus'! Fica sempre bem.


Númaro

Também com a vertente 'númbaro'. Já está na Assembleia da República uma proposta de lei para se deixar de utilizar a palavra NÚMERO, a qual está em claro desuso. Por mim, acho um bom númaro!
Pitaxio
Aperitivo da classe do 'mindoím'.


Aspergic

Medicamento português que mistura Aspegic com Aspirina

Alevantar
O acto de levantar com convicção, com o ar de 'a mim ninguém me come por parvo!... alevantei-me e fui-me embora!'.


Amandar

O acto de atirar com força: 'O guarda-redes amandou a bola para bem longe'


Assentar

O acto de sentar, só que com muita força, como fosse um tijolo a cair no cimento.


Capom

Tampa de motor de carros que quando se fecha faz POM!


Destrocar

Trocar várias vezes a mesma nota até ficarmos com a mesma.


Disvorciada

Mulher que se diz por aí que se vai divorciar.


É assim...

Talvez a maior evolução da língua portuguesa. Termo que não quer dizer nada e não serve para nada. Deve ser colocado no início de qualquer frase. Muito utilizado por jornalistas e intelectuais.


Entropeçar

Tropeçar duas vezes seguidas.


Êros

Moeda alternativa ao Euro, adoptada por alguns portugueses.


Falastes, dissestes...

Articulação na 4ª pessoa do singular.
Ex.: eu falei, tu falaste, ele falou, TU FALASTES...

Fracturação

O resultado da soma do consumo de clientes em qualquer casa comercial. Casa que não fractura... não predura.


Há-des

Verbo 'haver' na 2ª pessoa do singular: 'Eu hei-de cá vir um dia; tu há-des cá vir um dia...'


Inclusiver

Forma de expressar que percebemos de um assunto. E digo mais: eu inclusiver acho esta palavra muita gira. Também existe a variante 'Inclusivel'.



A forma mais prática de articular a palavra MEU e dar um ar afro à língua portuguesa, como 'bué' ou 'maning'. Ex.: Atão mô, tudo bem?


Nha

Assim como Mô, é a forma mais prática de articular a palavra MINHA. Para quê perder tempo, não é? Fica sempre bem dizer 'Nha Mãe' e é uma poupança extraordinária.


Parteleira

Local ideal para guardar os livros de Protuguês do tempo da escola.


Perssunal

O contrário de amador. Muito utilizado por jogadores de futebol. Ex.: 'Sou perssunal de futebol'. Dica: deve ser articulada de forma rápida.


Prutugal

País ao lado da Espanha. Não é a Francia.


Quaise

Também é uma palavra muito apreciada pelos nossos pseudo-intelectuais... Ainda não percebi muito bem o quer dizer, mas o problema deve ser meu.


Stander

Local de venda. A forma mais famosa é, sem dúvida, o 'stander' de automóveis. O 'stander' é um dos grandes clássicos do 'português da cromagem'...


Tipo

Juntamente com o 'É assim', faz parte das grandes evoluções da língua portuguesa. Também sem querer dizer nada, e não servindo para nada, pode ser usado quando se quiser, porque nunca está errado, nem certo. É assim... tipo, tás a ver?


Treuze

Palavras
para quê? Todos nós conhecemos o númaro treuze.

02 janeiro 2012


Natal dos sem abrigo

-Poema de Fernando Pessoa
Natal… Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade !
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei !
NATAL
Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.
Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.
Manuel Alegre

18 dezembro 2011

Cesária Évora

Cesária Évora (Mindelo, 27 de agosto de 1941 — Mindelo, 17 de Dezembro de 2011), também conhecida como «a diva dos pés descalços», foi a cantora de maior reconhecimento internacional de toda história da música popular cabo-verdiana. Apesar de ser sucedida em diversos outros géneros musicais, Cesária Évora foi maioritariamente relacionada com a morna, por isso também foi por vezes apelidada "rainha da morna.


Cesária Évora (1941 - 2011) na cidade de Mindelo, em Cabo Verde. Tinha mais quatro irmãos. O seu pai Justino da Cruz tocava cavaquinho, violão e violino. Quando jovem foi viver com sua avó, que havia sido educada por freiras, e assim acabou passando por uma experiência que a ensinou a desprezar a moralidade excessivamente severa.
Entre os seus amigos estava B. Leza, o compositor favorito dos cabo-verdianos, que faleceu quando ela tinha apenas sete anos de idade. Desde cedo, Cise, como era conhecida pelos amigos, começou a cantar e a fazer actuações aos domingos na praça principal da sua cidade, acompanhada pelo seu irmão Lela, no saxofone. Mas a sua vida está intrinsecamente ligada ao bairro do Lombo, nas imediações do quartel do exército português, onde cantou com compositores como Gregório Gonçalves. Aos 16 anos, Cesária começou a cantar em bares e hotéis e, com a ajuda de alguns músicos locais, ganhou maior notoriedade em Cabo Verde, sendo proclamada a "Rainha da Morna" pelos seus fãs.
Aos vinte anos foi convidada a trabalhar como cantora para o Congelo - companhia de pesca criada por capital local e português -, recebendo conforme as actuações que fazia. Em 1975, ano em que Cabo Verde adquiriu a independência, Cesária, frustrada por questões pessoais e financeiras, aliados à dificuldade económica e política do jovem país, deixou de cantar para sustentar sua família. Durante este período, que se prolongou por dez anos, Cesária teve de lutar contra o alcoolismo. Igualmente, Cesária chamou a esse período de tempo, os seus Dark Years.
A casa de Cesária Évora
Encorajada por Bana (cantor e empresário cabo-verdiano radicado em Portugal), Cesária Évora voltou a cantar, actuando em Portugal. Em Cabo Verde um francês chamado José da Silva persuadiu-a a ir para Paris e lá acabou por gravar um novo álbum em 1988 "La diva aux pied nus" (a diva dos pés descalços) - que é como se apresenta nos palcos. Este álbum foi aclamado pela crítica, levando-a a iniciar a gravação do álbum "Miss Perfumado" em 1992. Desde então fixou residência na capital francesa. Cesária tornou-se uma estrela internacional aos 47 anos de idade.
Em 2004 conquistou um prémio Grammy de melhor álbum de world music contemporânea. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, distinguiu-a, em 2009, com a medalha da Legião de Honra entregue pela ministra da Cultura francesa Christine Albanel.[2]
Em Setembro de 2011, depois de cancelar um conjunto de concertos por se encontrar muito debilitada, a sua editora, Lusafrica, anunciou que a cantora pôs um ponto final na sua longa carreira.
Veio a falecer no dia 17 de Dezembro de 2011, com 70 anos, por "insuficiência cardiorrespiratória aguda e tensão cardíaca ele
Discografia

  1. 1965 - Mornas de Cabo-Verde & Oriondino (vinil simple, 45 RPM, C. Évora & Conjunto)
  2. 1987 - Cesária
  3. 1988 - Cesária Évora, La Diva aux pieds nus
  4. 1990 - Distino di Belita
  5. 1991 - Mar Azul
  6. 1992 - Miss Perfumado
  7. 1994 - Sodade - Les plus belles mornas de Cesaria (Best of)
  8. 1995 - Cesária
  9. 1995 - Cesária Évora à L'Olympia
  10. 1997 - Cabo Verde
  11. 1998 - Best of Cesária Évora
  12. 1998 - Nova Sintra
  13. 1999 - Le monde de Cesária Évora
  14. 1999 - Café Atlântico
  15. 2001 - Cesária Évora : L'essentiel
  16. 2001 - São Vicente di Longe
  17. 2002 - Anthology
  18. 2002 - Anthologie: Mornas & Coladeras (LP duplo)
  19. 2002 - The Very Best of Cesária Évora
  20. 2003 - Voz d'Amor
  21. 2004 - Les essentiels
  22. 2006 - Rogamar
  23. 2008 - Rádio Mindelo
  24. 2009 - Nha sentimento
DVD
  1. 2002 - Live in Paris
Duos
  1. 1999 - É doce morrer no mar (por Dorival Caymmi) cantado com Marisa Monte.
  2. 2009 - Capo Verde terra d'amore, vol. 1 (LP, cantado com Teofilo Chantre em italiano)
Outras colaborações
  1. 1995 - Sangue de Beirona Remix (por François K)
  2. 1999 - Césaria Evora Remix (por François K e Joe Claussell)
  3. 2003 - Carnaval de São Vivente Remix (EP)
  4. 2003 - Club Sodade Remixes, Cesaria Evora by… (Carl Craig, Francois Kervorkian, Kerri Chandler, Four Hero, Señor Coconut, etc.)

Referências

  1. Morreu cantora Cesária Évora
  2.  Cesaria Evora termina a carreira aos 70 anos.
WIKIPÉDIA

24 novembro 2011



   Um homem com gripe

Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão-de-ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.

António Lobo Antunes

21 novembro 2011

Rio Sado

Reserva Natural do Estuário do Sado

A Reserva Natural do Estuário do Sado é constituída por uma sucessão de água de rio e de água de mar, bancos de areia e de vasa, praias, dunas e sapais.
Esta constitui um ecossistema rico e produtivo ao qual se encontram associadas uma flora e fauna diversas.
O rio Sado nasce na serra da Vigia, a sueste de Ourique, e percorre 180 km de margens mais ou menos planas, desembocando no oceano, entre o Outão e a ponta de Troia.
Golfo profundo, o estuário do Sado corresponde atualmente à vasta superfície de águas que vai da foz do rio até sensivelmente Alcácer do Sal, onde a influência das marés perde a sua força. As águas do rio, salvo em épocas de cheia acentuada, pouco influenciam a circulação geral do estuário.
O relevo que circunda o estuário é de muito pequena altitude. Os pontos mais altos sobem acima dos 30 m de altura - o outeiro Alto, na margem direita, atinge os 36 metros, enquanto que na Malha da Costa, 24 metros, é o ponto mais elevado da margem sul -, a contrastar de forma evidente com a Arrábida que está próxima.
No que diz respeito à flora aquícola, esta pode ser encontrada no parcel ou morraçal - depósito de lodos onde cresce uma vegetação típica dominada pela morraça, que lhe dá o nome, e banhada pelas marés mais altas - e no sapal - terrenos salgados de aluvião cobertos por uma vegetação rasteira.
Há ainda a referir as superfícies lodosas sem vegetação, onde se implantaram os bancos de bivalves, nomeadamente berbigão e navalha, e onde também é praticada a colheita de poliquetas.
Comporta, Carrasqueira, Monte Novo de Palma, Foicinhas, Herdade do Pinheiro e Monte das Cabras constituem as maiores manchas de sapal do estuário do Sado, áreas naturais ocupadas por gramíneas e arbustos halofíticos de pequeno porte, situados ao longo de massas de água salgada cujo nível varia de acordo com as marés. A morraça domina nas zonas onde o grau de salinidade é maior.
As plantas que se desenvolvem nas dunas constituem um outro elemento de grande importância. Na realidade, a península de Troia, uma das principais estruturas dunares do litoral, alberga, a par de largas dezenas de espécies vegetais mais vulgares, alguns endemismos portugueses, ibéricos e europeus. Assim, desde a zona da praia, na pré-duna, até ao flanco continental da duna primária sucedem-se as espécies adaptadas às areias marítimas como é o caso do estorno, do cordeiro-da-praia e do feno-das-praias entre outras. Mais para o interior, encontram-se os montados - o sobreiro e as associações onde domina esta árvore representam o habitat dominante na zona terrestre da Reserva Natural.
Nas linhas de água existentes em redor do estuário surgem as matas ribeirinhas, em que se pode observar espécies como o amieiro, o freixo, o ulmeiro e o salgueiro, enquanto o junco e a tamargueira surgem nas zonas onde ocorre água salobra. Finalmente, são ainda observáveis no estuário do Sado um ou outro caniçal, sobretudo na orla das linhas de água e lagoas, se bem que os caniçais estejam em regressão, devido sobretudo à expansão da orizicultura.
O estuário alberga uma grande variedade de peixes, moluscos e crustáceos. Assim, na fauna ictiológica podem-se referir o salmonete, o linguado, a tainha, a solha, a dourada, o charroco, entre aproximadamente 70 espécies presentes e que estão na origem da atividade dos portos piscatórios da Gâmbia e da Carrasqueira. Há ainda cefalópodes, como o polvo, o choco e a lula, crustáceos, como o caranguejo e a camarinha, bem com diferentes amêijoas. De entre todas as espécies animais presentes no Sado o ruaz-corvineiro é, sem dúvida, aquela que mais atrai as atenções. Estes animais constituem uma colónia de aproximadamente 40 indivíduos, que percorrem as águas marinhas entre o Tejo e o Sado e que, neste último estuário, possuem o seu principal local de alimentação.
No que diz respeito à avifauna, são dois os locais que mais particularmente atraem a atenção: a ilha do Cavalo e o açude da Murta. A primeira é uma área relativamente vasta de lezíria e cultura arvense, com numerosos charcos e pequenas manchas de vegetação palustre, onde nidificam, entre outras espécies, o perna-longa, a perdiz-do-mar e a alvéola-amarela, sendo refúgio para várias outras espécies de limícolas e anatídeos. O açude da Murta, se bem que se trate de uma área adjacente ao estuário, é charco natural de água doce rodeado por uma charneca de matos espinhosos e pinhal, cuja localização permite às espécies que nela nidificam um intercâmbio com as margens lodosas do estuário onde procuram alimento. O açude, para além de albergar uma grande colónia de garças - garça-branca, garça-boieira, garça-vermelha e goraz -, é também ponto de refúgio para alguns anatídeos como o pato-real e o marrequinho. Também várias espécies de passeriformes - felosa-real, rouxinol-pequeno-dos-caniços ou bico-de-lacre - habitam nos caniçais, enquanto as aves de presa encontram habitat favorável na zona da Herdade do Pinheiro, que apresenta um substrato ecológico diversificado.
Gineta, saca-rabo e lontra são alguns dos mamíferos presentes na periferia do estuário, não se podendo deixar de referir a população de gamos nos terrenos da Herdade do Pinheiro.
As salinas do Sado ainda hoje ocupam uma extensa área ao longo das margens do estuário, entre a Mitrena e o Pontal, na margem norte, e entre a Rapa e Montevil, na margem sul.
O sal de Setúbal sempre teve fama de ser dos melhores, devido fundamentalmente à ausência de sais magnesianos. O sal necessitou sempre de ser transportado para o exterior dos salgados que o produziam e uma das formas mais fáceis de o fazer foi, desde sempre, a utilização da via fluvial. A última embarcação concebida no estuário do Sado para desempenhar tal papel foi o "galeão do sal", hoje desaparecido, adaptação de uma outra embarcação que o precedeu, o "galeão de carga".
Por fim o moinho de Maré das Mouriscas representa um último testemunho de uma época em que a importância das energias renováveis, neste caso a energia das marés, era por de mais evidente.


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