"ILHADE PRETOS"
Maria Raquel R. Gomes
São Romão do Sado
É actualmente uma pequena aldeia com cerca de 35 habitantes. Localizada na área margeada pelo Sado e encontra-se a 15 km da sede do concelho, Alcácer do Sal. Percorrendo as suas ruas (bem como a da
aldeia mais próxima- Rio de Moinhos) é fácil identificar traços negróides nalguns moradores: cabelo encarapinhado, pele muito morena, lábios grossos, nariz largo...O interesse histórico por este tema tem motivado estudos científicos em diversas áreas, tornando-se apaixonante sobretudo para aqueles que, tal como eu, desde berço vão ouvindo histórias e lendas sobre essas gentes, cujo sangue ainda corre nas veias de muitos de nós. De facto, em Alcácer do Sal é bem conhecida a existência dos "Pretos de S. Romão que, fruto da miscigenação, se misturaram com a população branca se espalharam, naturalmente, por toda a região.José Leite de Vasconcelos, na sua obra Etnografia Portuguesa faz a Seguinte descrição: Ultimamente tive ocasião de ver alguns exemplares dos mesmos Mulatos.Eles próprios dizem que são atravessados, isto é, “mestiços", em sentido geral. A cor varia: há indivíduos que são, por assim dizer, pálidos ou morenos,e outros muito fosco, quase pretos. Os vizinhos chamavam dantes a esta gente Pretos do Sado ou Pretos de São Romão, porque havia lá realmente muitos pretos.julga-se que o fraco povoamento do Alentejo e a necessidade de mão-de-obra para os trabalhos agrícolas terão sido a causa da fixação do colonato de escravos. Não se sabe, ao certo, que tipo de culturas se faziam na altura. Se o Alentejo era considerado o celeiro do reino, muito provavelmente predominava também aqui o cultivo dos cereais: trigo, centeio, cevada, aveia. A utilização destes cereais como provimento nas viagens marítimas (para o fabricodo biscoito) fomentou, na época, o aumento da sua produção. Em paralelo, terão existido actividades pecuárias,principalmente de gado suinícola, tiragem de cortiça e apanha de bolota. Quanto ao arroz, cultura que hoje predomina na região, não existem provas de que já fosse cultivado nos séculos XVI . Sabe-se que a entrada deste cereal no reino remonta à época das Descobertas .Contudo, se ele aqui foi introduzido de imediato não o sabemos. Mas Pedro Muralha, nas Monografias Alentejanas, descreve que nos finais do século XIX, Manuel Rosa Dourado adquiriu naquela parte do Sado uma grande porção de terrenos ainda por arrotear, isto é, terras virgens, cobertas de matos e que até ali era terra sem valor algum económico. Foi ele,com José Maria dos Santos e o velho Lince que desenvolveram em Portugal a cultura do arroz, e essa cultura é também hoje, uma grande fonte de riqueza pública. Os terrenos a que Pedro Muralha se refere são a Herdade da Quinta de Cima, muito próximo de São Romão, e faz-nos supor que só no século XIX se iniciou a produção intensiva do arroz. Desconheço, até à data, quaisquer documentos que possam esclarecer os reais motivos da sua fixação e o modo como aqui chegaram ou quaisquer outros pormenores que elucidassem sobre os seus costumes e a forma como se,integraram na comunidade (aculturação). De qualquer modo, volvidos mais de três séculos, a memória popular, sempre curta para guardar factos históricos, apenas fez perdurar a lenda da "Ilha de Pretos= e as cantigas que ainda hoje ecoam ao ritmo do Ladrão.
Quem quezerver moças Da cordo cravão, Vá dar um passeio Ató S. Romão.
Veja o nosso Sado, Não tenha receio, Até São Romão Vá dar um passeio.
Quando eu chegui À Rebêra do Sado Vi lá uma preta De beco virado.
Se tiver resposta Responda-me à letra De beco virado Vi lá uma preta.
O Senhor dos Mártires Cá da Carvalheira É o pai dos pretos De toda a Ribeira.
Lavrador João Quem lho diz sou eu: Se ele é pai dos Pretos Também o é seu.
Continua=